São José do Rio Pardo, setembro de 2018
Prezados membros do Conselho Estadual da Renovação Carismática Católica de São Paulo, Por meio desta carta quero orientá-los sobre o que a Igreja Católica Apostólica Romana nos ensina a respeito de nossa participação na política. A Igreja, nossa Mãe e Mestra, fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo para a redenção e salvação do mundo, encontra sua razão de ser na dispensação da graça conquistada pelo derramamento do Divino Sangue na Cruz. Sua vocação é, assim, evidentemente sobrenatural: a salvação das almas. Para bem desempenhar essa missão, a Igreja reconhece a necessidade de ordenar não somente as suas próprias estruturas eclesiais, mas também as instituições e realidades temporais. De fato, instituições seculares corretamente ordenadas facilitam em muito a divulgação do Evangelho, a prática da virtude e o cumprimento da lei de Deus. É nesse sentido que a Igreja recomenda e incentiva os fiéis leigos a se envolverem na política com verdadeiro espírito cristão, de modo a iluminar a sociedade terrena com os valores perenes do Evangelho. São João Paulo II, na Encíclica Christifideles Laici, afirmou:“Para animar cristãmente a ordem temporal, no sentido que se disse de servir a pessoa e a sociedade, os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar da participação na política, ou seja, da múltipla e variada ação econômica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem comum” (n. 42). O Papa Francisco, em consonância com o ensinamento de seus predecessores, afirmou há poucos anos, em audiência no Vaticano, que: “Para o cristão, é uma obrigação envolver-se na política. Nós, cristãos, não podemos ‘fazer como Pilatos’, lavar as mãos. Não podemos! Devemos envolver-nos na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum. E os leigos cristãos devem trabalhar na política. (...) a política está muito suja; e ponho-me a perguntar: Mas está suja, porquê? Não será porque os cristãos se envolveram na política sem espírito evangélico? Deixo-te esta pergunta: É fácil dizer que ‘a culpa é de fulano’, mas eu que faço? É um dever! Trabalhar para o bem comum é um dever do cristão! E, muitas vezes, a opção de trabalho é a política” (Resposta do Papa Francisco às perguntas dos representantes das escolas dos Jesuítas, em 07/06/2013).Entretanto, é também do ensinamento da doutrina social católica que "no domínio próprio de cada uma, comunidade política e Igreja são independentes e autônomas" (Gaudium et Spes, 76). Ambas são sociedades perfeitas, isto é, dispõem em si mesmas dos meios suficientes para atingir suas finalidades. Como conciliar, pois, a autonomia das duas realidades com a participação dos católicos na política? A resposta nos é dada pela própria Gaudium et Spes: "É de grande importância, sobretudo onde existe uma sociedade pluralística, que se tenha uma concepção exata das relações entre a comunidade política e a Igreja; e ainda que se distingam claramente as atividades que os fiéis, isoladamente ou em grupo, desempenham em próprio nome como cidadãos guiados pela sua consciência de cristãos, e aquelas que exercitam em nome da Igreja e em união com os seus pastores" (n. 76). É aqui que está o direcionamento que ilumina as decisões dos católicos com respeito ao envolvimento com a política, e em particular no que toca a candidaturas dos irmãos católicos. Embora o católico seja incentivado pela Igreja a participar da gestão do bem comum, inclusive disputando cargos eletivos, ele não pode e não deve fazê-lo em nome da Igreja, como se essa tomasse uma posição institucional em favor de um ou de outro. Pelo contrário, devem os católicos, inspirados no Evangelho, organizarem-se na condição de cidadãos para as empreitadas dessa natureza. Se assim não for feito, se estará, em primeiro lugar, utilizando da Igreja para viabilizar candidaturas e, em segundo lugar, afrontando o saudável pluralismo que a própria Igreja reconhece ser legítimo entre seus fiéis. É por isso que a Igreja não tem um candidato próprio. Ela ensina, forma, direciona, ilumina, defende seus valores, mas dá liberdade aos católicos para decidirem de acordo com a sua consciência bem formada qual ou quais candidatos apoiarão em sua participação na vida pública[1]. Somente assim se poderá harmonizar a autonomia das duas esferas – eclesiástica e política – com a efetiva participação dos católicos na vida pública, sem que nenhuma delas saia prejudicada por uma confusão inaceitável. Essa é a orientação geral da Igreja. A Renovação Carismática Católica é, como todos sabemos, um acontecimento espiritual que se expressa num movimento eclesial, manifestando a graça divina de formas variadas, sem uniformização ou unificação. Agregando as diversas expressões carismáticas, a Renovação vive o seu carisma particular em plena comunhão com a doutrina e o magistério da Igreja Católica. Todos dizemos, acertadamente, que a Renovação Carismática é Igreja, isto é, a sua eclesialidade resta incontestável. Sendo assim, a doutrina social da Igreja deve aplicar-se plena e integralmente à atuação da Renovação em todos os âmbitos. Isso significa que, assim como a Igreja o faz, a Renovação incentiva os seus participantes a exercitarem conscientemente os seus deveres para com a vida pública. Significa também que a Renovação, assim como a Igreja, não pode ter candidatos próprios, não deve “fechar questão” em torno de nomes específicos, mas antes garantir a liberdade de cada fiel na sua escolha, iluminando-a sempre com os valores evangélicos e carismáticos. Do contrário, incidiríamos justamente naquilo que o Cardeal Suenens negou: “A Renovação, de fato, é um acontecimento espiritual e, como tal, não pode ser considerada como um programa de estratégia social e política cristã [2].” No âmbito da Renovação Carismática do Estado de São Paulo, a maior parte dos líderes acolheu essa dimensão da doutrina social da Igreja com muita fé e consciência. Após um processo de profunda evangelização, resolveram as lideranças se organizarem na sociedade civil para que, como cidadãos bem formados nos valores cristãos, exerçam um autêntico protagonismo leigo. A Igreja, em geral, e a Renovação Carismática, em particular, preocupam-se primordialmente em semear a Palavra de Deus no coração dos homens. A função dos leigos católicos, quando esses se aplicam à transformação das realidades e instituições temporais, é a de preparar a terra para a semeadura. De fato, uma sociedade terrena bem ordenada e inspirada em valores cristãos, pacífica e unida, é muito mais receptiva à expansão da Boa Nova de Nosso Senhor. Portanto, orientamos sim que todos os servos e servas da Renovação Carismática Católica sejam responsáveis com o protagonismo leigo (que se envolvam na política) que caracteriza a esfera política da vida humana. Mas que não o façam em nome da Renovação Carismática Católica, nem se utilizem do título de coordenadores que eventualmente tenham. Assim, que se organizem os servos e servas na condição de cidadãos brasileiros que, iluminados pela sabedoria do Evangelho, querem um país melhor para todos. Deixo meu abraço fraterno a você, que como eu, busca servir nosso Senhor Jesus Cristo com amor e verdade.
Lucimar Maziero Coordenadora Estadual da RCC-SP